quinta-feira, 9 de julho de 2015

O mundo esquecido (4)


Capítulo 4 - O anão dançarino


Os anões permaneciam junto às casas e seguiam Salvador com o olhar e com um sorriso estampado nos rostos, enquanto ele avançava para a praça. As casas continuavam a tocar a sua orquestra de gargalhadas. Salvador nunca tinha sentido ao seu redor tamanha manifestação de felicidade. Por momentos, quase esqueceu que era ali um estranho e deu por si a rir sem parar, de pura alegria. A certa altura, o ataque de riso sacudiu-o de tal forma que teve de parar e apoiar as mãos nos joelhos. Estava sem fôlego. Quando finalmente se conseguiu endireitar, retomou o caminho até à praça, ainda a sorrir e a cantarolar.




A praça era muito pequena e à sua volta apenas existiam quatro casas, sendo uma delas maior que todas as outras da aldeia. Era também diferente: estava pintada de branco e o telhado era de telhas vermelhas. A porta era mais alta e tinha, além das duas janelas, uma varanda no andar superior, enfeitada com vasos de flores vermelhas e amarelas. Pareceu a Salvador que era parecida com as casas que existiam na vila onde morava, mais coisa menos coisa. E estava silenciosa. No momento em que Salvador se aproximou do centro da praça, sentiu que alguém lhe tocava no ombro. Virou-se e deu de caras com um anão que sorria de orelha a orelha, enquanto saltitava ora num pé ora no outro, como se dançasse. Tinha os cabelos e a barba ruivos e usava sobre os ombros uma capa azul que esvoaçava enquanto ele se movia. Deu então um salto para trás, cruzou os braços e olhou muito sério para Salvador.

- Tu, quem és?

- O meu nome é Salvador. Sou um menino. Tenho dez anos e ando na escola.

- Não és um anão? Vendo bem, não tens barbas… sabes dançar?

Ao dizer isto, o anão iniciou uma série de piruetas, a seguir rodopiou em voltas e mais voltas, até parar, sorridente, ao lado de Salvador.

- Não sei dançar. Eu gosto é de correr. E de olhar as nuvens. O meu sonho é apanhar uma nuvem e segurá-la só um bocadinho nas minhas mãos.

O anão deixou de sorrir, parecendo ter ficado confuso.

- Tens sonhos estranhos, menino. Nunca ouvi tamanho disparate! Onde já se viu alguém querer apanhar uma nuvem?! Como chegaste até aqui?

- Entrei num buraco negro que estava no passeio, junto ao muro do pomar do Senhor Joaquim. Foi uma coisa que aconteceu sem eu querer. Escorreguei. A borboleta disse que este é o mundo esquecido. É um país?

- País? Não sei o que é um país. É simplesmente o mundo esquecido, e não me perguntes porque é que é esquecido. Aqui ninguém se lembra de ele ter outro nome. Também não me lembro de alguém algum dia o ter visitado, além de ti.

- E tu, como te chamas? Por acaso és o chefe da aldeia? O guarda do portão disse-me para falar com ele. Sabes, para me ajudar a encontrar o caminho para casa.

- Eu sou o anão dançarino. Como deves ter reparado, dançar é o que faço de melhor. O chefe vive naquela casa que ali vês, do outro lado da praça.

- Podes levar-me até junto dele?

- Com todo o prazer. Contudo, com uma condição. Vais ter de dançar durante todo o caminho até lá chegares. Aceitas?

Salvador não sabia dançar, mas estava fora de questão recusar o convite do anão, ou não poderia falar com o chefe da aldeia. Acenou com a cabeça e disse que aceitava. O anão pegou-lhe na mão e, arrastando-o em piruetas e saltos divertidos, com muitas gargalhadas à mistura, conduziu-o através da praça. Mesmo à entrada da casa mais alta, Salvador tropeçou por causa de um puxão que o anão deu ao seu braço (quando saltou numa cambalhota), e ficou estatelado no chão. Foi então que a porta, muito devagarinho, se abriu.





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