Capítulo 2 - No mundo
esquecido
No instante em que tombou no buraco, Salvador fechou os olhos à espera
de encontrar o fundo. Ao contrário do que seria de esperar, caía muito devagar,
quase como se voasse. Enquanto atravessava a escuridão, imaginou que era um
pássaro a voar dentro da noite, junto às estrelas e às nuvens adormecidas.
Passou muito tempo e Salvador percebeu que já deveria ter aterrado no fundo do
buraco. Foi nessa altura que sentiu que estava a cair mais devagar, e mais, e
mais ainda, até que parou. A viagem tinha chegado ao fim e Salvador aterrou
finalmente, ficando sentado em cima do que lhe pareceu ser um tapete macio.
Havia agora uma leve claridade, como quando a noite acaba e o sol começa a iluminar
o dia. Olhou à sua volta. Encontrava-se numa gruta, com o teto tão baixo que
Salvador não conseguia levantar-se e pôr-se de pé, e o que lhe tinha parecido
um tapete era afinal erva muito fina. Onde estava? Que distância teria
percorrido? O buraco era mesmo profundo! Tentou encontrar uma saída e avançou
de gatas até um dos extremos da gruta. Então avistou uma pequena luz, que
aumentava à medida que ele se aproximava, e que parecia vir de uma porta
escavada na parede de pedra. Salvador encaminhou-se rapidamente para lá.
A porta tinha exatamente a altura de Salvador, não era nem maior nem
mais pequena, e parecia mesmo ter sido feita de propósito para que ele a
atravessasse. Não hesitou: ergueu-se e saiu da gruta. Do lado de fora o sol
brilhava num céu azul muito claro, aquecendo o ar como se se estivesse em pleno
verão. E não havia nuvens, nem uma para amostra. Salvador achou estranho esse
facto, pois antes de cair no buraco reparara que o céu tinha nuvens cinzentas
(lembrou-se daquela que lhe tinha parecido um dragão). Deu dois ou três passos
e olhou a paisagem que o cercava. Diante dos seus olhos estendia-se um campo de
flores a perder de vista, de todas as cores, formas e alturas. Era como se um
jardineiro louco tivesse plantado no mesmo local todas as flores que existiam
no mundo. Salvador estava espantado: nunca tinha visto um campo como aquele.
Cada vez mais Salvador se convencia de que tinha ido parar a um mundo
diferente daquele que conhecia. Pensou na avó, no pai, na mãe. Deviam estar
preocupados por ele ainda não ter regressado a casa. Quanto tempo se teria
passado desde que caíra no buraco? Salvador achava que se tinham passado muitas
horas, mas não tinha a certeza. Resolveu que tinha de voltar a casa, o mais
depressa possível, mas não sabia o caminho de regresso. Pensou então que o
melhor seria caminhar até encontrar alguém que o ajudasse. Como não existiam
caminhos traçados, teria de atravessar o imenso mar de flores.
Quando Salvador se preparava para entrar no campo florido, ouviu uma
voz.
- Se queres chegar ao outro lado, tens de seguir as flores brancas.
Salvador parou, olhou à sua volta mas não viu ninguém. Encolheu os
ombros e continuou a andar.
- Queres parar um bocadinho e ouvir o que tenho para te dizer!?
Não havia dúvidas, alguém falava com ele. Perguntou:
- Quem está aí?
De entre as flores mais altas saiu então a maior borboleta que Salvador
já tinha visto. As suas asas eram brancas e tinha olhos, e boca, e as suas
faces eram rosadas. A borboleta voou rapidamente para junto dele e pousou na
sua mão.
- Já te disse e repito: tens de seguir as flores brancas. Se não o
fizeres ficas prisioneiro para sempre no campo de flores.
Salvador estava pasmado. Olhou para o imenso mar de flores, depois
voltou a olhar para a borboleta.
- As cores estão todas
misturadas!
- Claro que sim, mas todos sabem que é preciso primeiro colher uma flor branca.
Ela mostrar-te-á o caminho. Simples, não?
- Que sítio é este?
- Acabaste de chegar ao mundo esquecido.
- Mundo esquecido? Espera…
Mas ela já tinha voado, desaparecendo por entre as flores. Salvador não
sabia o que pensar. Tinha descido por um buraco, encontrado um campo florido
numa terra que não conhecia e falado com uma borboleta de faces rosadas. Não
sabendo mais o que fazer, decidiu seguir o conselho da borboleta. Aproximou-se
da primeira flor branca que encontrou, colheu-a e esperou que acontecesse
alguma coisa.
Sem comentários:
Enviar um comentário