sábado, 4 de julho de 2015

O mundo esquecido (1)


Capítulo 1 - O buraco negro


No dia em que encontrou o buraco negro, Salvador corria pela rua, a perseguir as nuvens. Era uma tarde de setembro, daquelas que anunciam o final do verão. O azul do céu brilhava ainda com os últimos raios de sol, mas aqui e além tinham-se acumulado algumas nuvens, brancas como a neve. Salvador gostava de nuvens. Tinham formas estranhas, que iam mudando à medida que se deslocavam. Às vezes pareciam animais, outras vezes pessoas, outras ainda casas. Uma vez, Salvador julgou mesmo ter visto recortada no céu uma aldeia completa. Estas imagens deixavam-no a pensar. Então inventava histórias, que só terminavam quando as nuvens desapareciam, levadas pelo vento. Era por isso que corria: quanto mais o vento as empurrava para longe, mais ele se apressava para não as perder de vista. 




Muitas vezes chegava atrasado à escola. Por causa das nuvens. O professor repreendia-o, dizia-lhe que andava com a cabeça nas nuvens. Salvador bem sabia que era verdade, prometia emendar-se, mas no dia seguinte já se tinha esquecido do que prometera. Mas enquanto as aulas não começassem, ele tinha todo o tempo do mundo. Os pais trabalhavam e durante todo o dia ele ficava com a avó, que o deixava correr atrás das suas histórias. Naquele dia, Salvador há muito que tinha deixado para trás a rua onde morava a avó. De repente, uma nuvem escondeu o sol, espalhando uma cor cinzenta e triste no azul luminoso do céu. Salvador parou e olhou a nuvem atentamente. Tinha a forma de um dragão, enorme e ameaçador, e era como se, na sua fúria, tivesse engolido de uma só vez o sol. Salvador estremeceu, sentiu frio e achou que era melhor voltar para trás. Olhou à sua volta: estava no extremo da vila, perto do pomar de macieiras do Senhor Joaquim. Como se teria afastado tanto? Decidiu iniciar o caminho de regresso e foi então que viu o buraco.

Encostada ao muro do pomar, sobre as pedras da calçada, Salvador avistou uma grande mancha escura. Muito devagar, aproximou-se. À primeira vista, parecia um borrão de tinta, negra como a noite, espalhado de tal forma que pareceu a Salvador um enorme polvo. Era muito estranho. Salvador ficou a olhar um momento para ver se acontecia alguma coisa. Nada. Então baixou-se, agarrou numa pequena pedra e atirou-a em direção à mancha, afastando-se um pouco para fugir aos salpicos negros. Mas tal não aconteceu. Foi como se a mancha tivesse engolido a pedra. Salvador acercou-se, parando o mais perto possível do seu limite, e atirou outra pedra. A mesma coisa: a pedra desapareceu no mesmo instante. Pegou então num pequeno ramo que estava caído junto ao muro e afundou-o na mancha negra. Não encontrou as pedras da calçada, como esperava. Era como se estivesse diante de um buraco muito fundo. Olhou à sua volta: a rua estava deserta. Salvador voltou a concentrar-se na mancha, que agora tinha quase a certeza de ser um buraco. Pensou que talvez algum animal tivesse escavado uma cova para poder entrar no pomar, passando por debaixo do muro. Talvez tivesse sido uma toupeira, ou um cão. Salvador não sabia. Mas ele era pequeno, facilmente se poderia deixar escorregar pelo buraco e entrar no pomar. Então poderia avisar o Senhor Joaquim de que um buraco estava encostado ao seu muro. Aproximou-se. De repente, lembrou-se da história de Alice, uma menina que tinha caído num buraco e encontrado uma terra fantástica, o país das maravilhas. Isso fê-lo pensar que os buracos podiam ser perigosos, a ser verdade o que tinha acontecido a Alice. Mas era apenas uma história, não era? Ele era um menino de carne e osso e essas coisas não aconteciam na vida real. Ou aconteciam? Salvador olhou desconfiado para o buraco. Então, tomou uma decisão: iria sentar-se primeiro na borda e depois entrar devagarinho. Assim fez. Estava já sentado com as pernas a baloiçar dentro do buraco quando, de repente, escorregou e sentiu que o seu corpo mergulhava na escuridão.





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