quarta-feira, 8 de julho de 2015

O mundo esquecido (3)


Capítulo 3 - A aldeia das casas risonhas


Salvador segurava nas mãos a flor branca (que por acaso era um malmequer), mas à sua volta nada tinha mudado. No momento em que se preparava para desistir de esperar por um sinal, algo aconteceu. A flor começou a curvar-se muito devagar na direção do campo de flores, como se estivesse a apontar para alguma coisa. De repente, a meio do campo, as flores afastaram-se ligeiramente, deixando à vista um caminho enfeitado de ambos os lados por filas de flores brancas. Salvador apressou-se a entrar, não fosse dar-se o caso de as flores se aproximarem de novo. Se isso acontecesse, ele não sabia se voltariam a deixá-lo passar. Então, sempre a correr, começou a seguir a linha de flores brancas e rapidamente chegou a meio do imenso campo. Começava a sentir-se cansado, pois a distância era muito longa, e decidiu sentar-se por um instante. Assim que recuperasse as forças, iniciaria de novo a caminhada.

Pode ter sido por causa dos raios quentes do sol, ou simplesmente porque foi vencido pelo cansaço, mas a verdade é que Salvador adormeceu. Quando acordou, sobressaltou-se: estava cercado por flores das mais variadas cores, algumas mais altas do que ele, e o caminho de flores brancas tinha desaparecido. Salvador não podia acreditar que tinha adormecido, e sentiu-se triste e zangado consigo próprio. Olhou para as flores à sua volta e os seus olhos pousaram numa rosa branca. Não pensou duas vezes e arrancou-a. Para seu alívio, o caminho voltou a aparecer e Salvador desatou a correr com todas as suas forças, para só parar no final do campo. Olhou para trás: o caminho tinha acabado de se fechar de novo, mas ele já estava a salvo.

Salvador tinha agora diante de si uma estrada, que terminava mais adiante junto a um muro alto. Nesse muro havia um portão de ferro, com grades que terminavam em pequenas setas, e que lhe fez lembrar aquele que existia no muro do pomar do Senhor Joaquim. Haveria do lado de lá um pomar? Salvador resolveu investigar e caminhou até lá. Quando chegou junto do muro reparou em duas coisas: primeiro, que o portão estava apenas encostado, o que significava que ele poderia facilmente entrar; depois, que através das grades espreitava, não um pomar como ele tinha imaginado, mas o conjunto de casas mais pequenas que ele já tinha visto. Decidiu entrar. Assim que tocou no portão e o empurrou ouviu-se o som de uma campainha. O tom era tão alto e agudo que Salvador teve de levar as mãos aos ouvidos, tapando-os com força. Quase ao mesmo tempo, detrás do tronco de uma árvore, surgiu um anão, que avançou rapidamente até junto do portão. O anão vestia um fato verde bordado com guizos dourados, que tilintavam à medida que ele se movia. As barbas e o cabelo branco compridos chegavam-lhe até à cintura e na mão trazia uma vara que ia agitando no ar. Parou em frente de Salvador e fitou-o com os olhos azuis muito espantados. Disse, com voz rouca:

 - Alto! Ninguém pode entrar sem a minha autorização. Sou o guarda da aldeia das casas risonhas. Tu quem és?

- Sou o Salvador. Cheguei a esta terra sem querer. Agora estou perdido e preciso de ajuda para voltar para casa.

O anão olhou-o desconfiado.

 - Como entraste?

- Escorreguei por um buraco. A seguir atravessei o campo de flores, com a ajuda de uma borboleta. Ela disse-me que este é o mundo esquecido.

 - Não é qualquer um que atravessa esse campo. Isso prova que és corajoso. Bem, vou deixar-te entrar. O chefe da aldeia decidirá o que fazer. Vai em frente, atravessa a rua principal e, quando chegares à praça, dirige-te à casa maior. Diz que vais da minha parte. Adeus.

O anão girou nos calcanhares e, tão depressa como tinha chegado, desapareceu. Salvador ficou sozinho outra vez. Pensou em tudo o que tinha acontecido até aí, desde que tinha caído no buraco. Voltou a lembrar-se da menina da história, a Alice. Será que ele estaria no país encantado onde ela já tinha estado? Pelo que a borboleta lhe tinha dito, este era o mundo esquecido. Seria o mesmo sítio? Era tudo tão estranho, tão diferente do mundo a que estava habituado, que não pôde deixar de suspirar profundamente. Desanimado, dirigiu-se para a aldeia. Porque lhe teria o anão chamado aldeia das casas risonhas? Salvador não fazia ideia e pensou que o mistério apenas se desvendaria quando lá chegasse.





A primeira coisa de que se apercebeu quando chegou junto das primeiras casas foi do som de risadas abafadas. Soavam baixinho, como quando se acha algo engraçado e se tenta conter o riso. As casas eram muito pequenas, pintadas com cores alegres e cobertas por telhados de palha entrançada que lembravam fartas cabeleiras. Cada uma tinha uma porta ladeada por duas janelas e bancos de pedra encostados à parede. Estavam alinhadas ao longo de uma rua estreita que terminava mais adiante numa praça. Quando Salvador já tinha percorrido metade da rua, os risos transformaram-se de repente em sonoras gargalhadas. Ele olhou para as casas e foi então que viu de onde vinha o som: as portas estavam agora abertas e, como se fossem enormes bocas, riam perdidamente fazendo com que as paredes tremessem de tanto riso. Salvador parou, espantado. Então, do interior de cada casa saíram os seus habitantes. Eram todos anões, os homens com longas barbas, as mulheres com tranças que lhes chegavam aos pés. Todos sorriam e acenavam. Salvador, sem saber o que fazer, sorriu e acenou também.





Sem comentários:

Enviar um comentário