domingo, 12 de julho de 2015

O mundo esquecido (8)


Capítulo 8 - A gruta das mil vozes

Salvador ficou um bom bocado a olhar as águas verdes do lago. Esperava, de repente, ver surgir de novo as criaturas que habitavam os nenúfares, com as compridas cabeleiras verdes e os olhos em forma de peixe. Mas tudo se mantinha calmo e em silêncio. Das criaturas nem sinal. Resolveu continuar o caminho que o levaria até à gruta das mil vozes. Por onde deveria ir? Olhou à sua volta: à esquerda, estendia-se um campo de milho, com grandes maçarocas amarelas; à direita, havia um bosque, com árvores tão próximas umas das outras que uma pessoa dificilmente caberia entre elas. Pareceu a Salvador que nenhum destes poderia ser o caminho a seguir. À sua frente, desenrolava-se um carreiro de terra batida que se perdia mais adiante por entre uns arbustos muito altos.  Parecia ser esta a opção certa, e ele avançou, determinado. Contudo, depois de ter atravessado os arbustos, Salvador encontrou uma enorme rocha, e teve de voltar para trás, regressando para junto do lago. Não sabendo qual a direção a seguir, Salvador decidiu consultar o velho mágico. Retirou a pedra branca do bolso, encostou-a ao ouvido e ouviu a voz que já conhecia:

- Imagino que tenhas convencido os nenúfares a levarem-te para o outro lado do lago. Acertei? Nesse caso, deves estar indeciso quanto ao caminho a seguir. Pois bem, a gruta das mil vozes esconde-se atrás do bosque que está à tua direita. Terás de o atravessar. Vais ver que não é difícil, se imitares o vento. Ânimo, Salvador, o fim do caminho já está muito perto!


Depois de escutar as palavras do mágico, Salvador olhou para o bosque: era escuro e triste, porque o espaço entre as árvores era tão apertado que os raios de sol não conseguiam lá entrar, e os troncos estavam tão encostados uns aos outros que ele achou que não conseguiria caminhar entre eles. Aproximou-se das primeiras árvores e tentou passar entre os seus troncos: cabia mesmo à justa, mas tinha de encolher a barriga e suster a respiração. Sentiu-se desanimado. Por aquele andar, demoraria uma eternidade a chegar à gruta das mil vozes. O velho mágico tinha falado em imitar o vento. O que quereria ele dizer? Bem, o vento soprava… Seria assim tão fácil? Salvador ficou parado em frente de duas árvores e, enchendo o peito de ar, soprou com toda a força de que foi capaz. Então, como que por magia, os troncos afastaram-se, como se tivessem sido inclinados por uma forte ventania. Ele não esperou que voltassem a endireitar-se e entrou a correr pelo bosque. À medida que ia avançando, Salvador ia soprando, como se fosse ele próprio o vento, e as árvores iam-se curvando, permitindo que ele passasse. Rapidamente cruzou as últimas árvores e teve de se sentar um momento para recuperar o fôlego. Tinha sido uma corrida e tanto!



De repente, à sua frente, estava a gruta das mil vozes. Salvador esperava encontrar uma rocha, enorme e imponente, com uma porta escura e misteriosa. Mas o que tinha diante de si era uma espécie de casa, tão pequena como as dos anões da aldeia das casas risonhas, com as paredes talhadas em pedra, onde assentava uma grande laje coberta de musgo. Não tinha porta, apenas uma abertura meio escondida por roseiras bravas. A gruta estava silenciosa, o que levou Salvador a pensar porque se chamaria gruta das mil vozes. Onde estavam elas? Intrigado, avançou até junto da entrada e afastou as roseiras, espreitando para o interior da gruta. Havia uma leve claridade, e Salvador viu que estava vazia. Entrou, e no instante em que o fez um coro de muitas vozes (seriam mil?) fez-se ouvir. Cantavam uma canção que ele nunca tinha ouvido, e que era ao mesmo tempo triste e alegre, se é que tal era possível. A Salvador pareceu que sim.

Ai de nós, pobres vozes
Que cantamos para sempre
E ninguém nos ouve.
É uma tristeza sem fim.
Mas então tu chegaste
E alegraste o nosso coração.
Agora somos felizes
Nesta gruta encantada
Viva, viva!

Salvador espreitou em todos os cantos à procura de gente, mas não havia ninguém. Eram apenas vozes. Ele sabia que teria de falar com elas. O velho mágico tinha-lhe dito que as vozes lhe apresentariam um enigma que ele teria de decifrar, pois só assim lhe indicariam o caminho para chegar a casa. Achou melhor esperar que elas se lhe dirigissem, até porque não sabia o que dizer. A seguir à canção, ouviu uma conversa animada, depois risos, depois o seu nome.

- Olá, Salvador. Temos estado à tua espera.

- Como sabem o meu nome? Como sabiam que eu vinha?

- O mundo esquecido é muito pequeno, as notícias correm como o vento. Sabemos que queres voltar para casa, certo?

- É o que eu mais quero, embora goste muito do vosso mundo. Mas está na hora de voltar. Podem ajudar-me?

- Claro que sim. A porta de saída está dentro desta gruta, somos nós que a guardamos. Mas vais ter de responder a uma pergunta, na verdade é um enigma que vais ter de decifrar.

- Está bem. E se eu não conseguir responder?

- Apenas te indicaremos o caminho se responderes. Caso contrário, ficarás para sempre no mundo esquecido.

Salvador estremeceu. E se não soubesse a resposta? Ainda tinha a pedra branca do mágico, poderia recorrer a ela, mas ele tinha-lhe dito que a magia no seu caso não resultaria. Teria de ser ele a encontrar sozinho o caminho, não era? As vozes voltaram a falar:

 - O enigma é este:

Às vezes estamos alegres
E somos brancas como algodão.
Outras vezes ficamos tristes
E somos cinzentas e choramos.
Gostamos de brincar com o vento
E mudamos de forma para o enganar.
O que somos?

Salvador ficou a pensar. Então sorriu: não podia ser mais fácil! A resposta era aquilo de que ele mais gostava. Disse, sem hesitar:

- São as nuvens.

No instante em que pronunciou estas palavras, Salvador sentiu que era levantado no ar por mãos invisíveis. Depois, de repente, só havia escuridão.





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