domingo, 12 de julho de 2015

O mundo esquecido (7)


Capítulo 7 - O lago dos nenúfares

Naquela noite, Salvador adormeceu enroscado sobre a areia do deserto do esquecimento. Ele bem tentou resistir ao cansaço e ao sono e, quando sentia que as suas pálpebras se queriam fechar, abria logo os olhos muito depressa. Olhava então atentamente o céu e começava a contar as estrelas. Quando lhes perdia a conta (eram tantas!) observava os caranguejos a andar para lá e para cá, a agitar os bigodes. Mas depois acabou por ser vencido pelo sono.

Quando acordou, o sol já tinha nascido há muito tempo. Sentou-se, esfregou os olhos e olhou à sua volta. Quanto tempo faltaria para chegar ao fim do deserto? Salvador não fazia a mais pequena ideia. Como não queria passar ali outra noite, decidiu que o melhor seria pôr-se novamente a caminho. Levantou-se, sacudiu a areia da roupa e recomeçou a correr. Ainda não se tinha passado muito tempo quando viu, não muito longe, o que pareciam ser árvores. Isso significava que já estava perto. Salvador usou toda a força de que foi capaz e correu, correu muito, durante um tempo que parecia não ter mais fim. Quando finalmente o deserto terminou e ele pisou de novo erva fresca, deu um grito de pura felicidade.


As árvores que Salvador tinha visto ao longe eram afinal macieiras, carregadas de enormes maçãs vermelhas. Aproveitou para colher algumas e sentou-se encostado ao tronco de uma delas. Enquanto trincava as maçãs, Salvador lembrou-se do pomar do Senhor Joaquim e do buraco negro encostado ao muro. Mais alguém teria caído e chegado ao mundo esquecido? Ou seria que o Senhor Joaquim já tinha descoberto o buraco, tapando-o para sempre? Nesse caso, como poderia ele voltar a sair e regressar a casa? Eram perguntas a que Salvador não sabia responder. De repente sentiu-se triste e desanimado, mas então lembrou-se do que lhe tinha dito o velho mágico: ele era um menino especial e por isso tinha entrado no mundo esquecido, mas se fizesse o caminho que o mágico lhe tinha indicado (e com a sua ajuda) iria certamente conseguir voltar. Mais animado, levantou-se e retomou a caminhada. 




O lago dos nenúfares apareceu pouco tempo depois. Salvador tinha deixado para trás o pomar de macieiras, a seguir tinha atravessado um pequeno bosque e, de repente, deu com o lago. E era imenso, tão grande que pareceu a Salvador que estava diante do mar. Só que isso não era possível, porque o mar era azul e o lago era verde, como se estivesse coberto de folhas gigantes. Quando se aproximou da margem, viu que eram de facto folhas largas e muito lisas que lhe davam aquela cor, embora salpicadas aqui e além de pequenas flores brancas e rosadas. As folhas flutuavam na água e cobriam-na completamente. Salvador ficou a pensar que plantas seriam aquelas, e de súbito lembrou-se: este era o lago dos nenúfares, portanto só podiam ser nenúfares, claro. Ficou a olhá-los durante algum tempo. As folhas largas pareciam peças de roupa a flutuar nas águas, e Salvador imaginou que eram saias rodadas. Foi então que o lago acordou. De repente, uma figura ergueu-se de dentro da água, como se tivesse estado debruçada com a cabeça no fundo do lago. As folhas eram mesmo a sua roupa, pois estavam fixas na sua cintura. Pareciam mesmo meninas gorduchas a quem a saia ficava apertada. Tinham longos cabelos verdes e os olhos em forma de peixe. Que criaturas seriam aquelas? Salvador nunca tinha visto nada igual. Foram-se erguendo aos poucos, uma aqui, outra acolá. Então, uma delas viu Salvador, assustou-se e deu um grito. Como se fosse um sinal, centenas de figuras começaram a aparecer, vindas do fundo do lago, e de repente uma multidão enchia as suas águas. Estavam todas viradas na direção de Salvador e ficaram a olhá-lo. Sem saber o que fazer, perguntou-lhes:

 - Quem são vocês?

- Ora, somos nenúfares, o que mais haveríamos de ser?

- Nunca vi nenúfares como vocês.

- Também nunca vimos ninguém como tu! Quem és?

- O meu nome é Salvador. Preciso de atravessar o lago, para chegar à gruta das mil vozes. Só assim poderei regressar a casa. Podem ajudar-me?

- Porque é que haveríamos de te deixar atravessar para o outro lado? Vens de um mundo diferente, não te conhecemos. Teríamos de pensar muito bem no assunto.

A seguir viraram-lhe as costas e cruzaram os braços, parecendo que estavam à espera de alguma coisa. Então, Salvador lembrou-se do que o velho mágico lhe tinha dito: para atravessar o lago, teria de convencer os nenúfares a ajudá-lo. O que quereria ele dizer? Tirou a pedra do bolso e levou-a ao ouvido. Ouviu a voz do mágico:

- Olá, Salvador. Deves estar com problemas com os nenúfares. Eles são muito vaidosos e amuam com facilidade. Tens de os elogiar, dizer-lhes como são bonitos, e pedir-lhes para dançarem. Enfim, tens de os cativar. Só assim te ajudarão.

Salvador ficou espantado. Onde já se viu ficar amigo de um nenúfar? Bem, a verdade é que não tinha escolha. Chamou-os e disse:

- Posso falar um bocadinho com vocês? A verdade é que acho que são os nenúfares mais bonitos que já vi e gostaria de vos ver dançar. Fariam isso por mim? Eu ficaria mesmo contente!

Os nenúfares viraram-se todos ao mesmo tempo e iniciaram a dança mais bela que Salvador já tinha visto: tinham os braços erguidos no ar e rodopiavam muito devagar, sem saírem do mesmo lugar. As folhas (que pareciam mesmo saias) rodavam sobre a água, desenhando círculos. Ao mesmo tempo que dançavam, cantavam baixinho, imitando o som de água a correr. Salvador estava encantado.

- Agora, se ainda quiseres, podemos ajudar-te a atravessar para o outro lado.

Uniram então as mãos, criando uma ponte, e Salvador caminhou sobre ela e atravessou o lago, sem se molhar uma única vez. Virou-se para lhes agradecer, mas eles já se debruçavam, mergulhando as cabeleiras verdes dentro de água. E, de repente, o lago voltou a ser uma enorme e quieta mancha verde.






Sem comentários:

Enviar um comentário