Capítulo 5 - Os
conselhos do velho mágico
Salvador estava estendido no chão, enquanto o anão dançarino girava e
ria à sua volta. Viu que a porta da casa mais alta tinha sido entreaberta e que
alguém estava parado na soleira. Levantou-se o mais depressa que conseguiu, envergonhado.
Que altura mais despropositada para cair! À sua frente estava uma anã com um
avental branco comprido, de braços cruzados e ar aborrecido.
- Mas que brincadeira vem a ser esta? Ah! Aí estás tu! Logo vi que
estavas por detrás de todo este rebuliço!
Apontava para o anão dançarino, que rodopiava sem parar e que, ao ver-se
descoberto, se afastou para longe, a rir perdidamente. A anã olhou então para
Salvador e, com palavras doces, convidou-o a entrar.
- Entra, entra. Desculpa, tive de
ralhar com o anão dançarino, ele não tem emenda. Mas não sou sempre assim,
resmungona. Sou até bastante bem disposta! Na aldeia das casas risonhas é
impossível não estar alegre. Tu deves ser o Salvador. O guarda avisou-me de que
irias chegar para falar com o velho mágico. Ele é o chefe da nossa aldeia.
- Ele é mágico? Um anão mágico?
- Vem. Ele vai explicar-te tudo.
Pegando na mão de Salvador, a anã conduziu-o por um corredor estreito e
de paredes tão altas que, olhando para cima, não era possível ver onde
terminavam. O facto de o chão ser muito inclinado, fazia com que eles tivessem
de andar muito depressa. Era como se Salvador e a anã tivessem sido engolidos
por um animal gigantesco e escorregassem pela sua garganta. Salvador estremeceu:
que ideia mais disparatada!
Entraram então numa sala muito pequena, onde cabiam mesmo à conta dois
sofás de veludo vermelho, uma mesa redonda e uma estante carregada de livros.
Num dos sofás estava sentado o velho mágico. Ao contrário do que Salvador tinha
imaginado, o mágico não era um anão. Diante de si estava um homem encurvado e muito
magro, de olhos cor de violeta e longas barbas brancas. Os braços, de tão
magros, estavam dobrados de tal forma que pareciam asas, o que o fazia parecer
um pássaro. Parecia ter uma idade avançada, e talvez por isso não se levantou
quando eles entraram. Apenas sorriu. Salvador gostou imediatamente dele. Então,
o velho mágico falou:
- Vem sentar-te ao pé de mim. Sei que o teu nome é Salvador e que vieste
do mundo para lá do buraco negro. Sei que gostas de nuvens e que inventas
histórias quando olhas para elas. Vieste ver-me porque gostarias de encontrar o
caminho de volta para casa. É isso?
Salvador sentou-se, mas não respondeu logo. Ficou a olhar para o velho mágico,
fascinado. Como saberia ele o que lhe tinha acontecido, e que gostava de
nuvens, se ainda não tinha dito nada? Finalmente conseguiu responder.
- Sim, é isso.
Depois ficou um bocadinho a pensar e perguntou:
- O senhor por acaso conhece uma menina chamada Alice?
- Não, quem é?
- A Alice também caiu num buraco e encontrou o país das maravilhas. Mas
aí havia um gato, e um coelho, e uma rainha, e um chapeleiro louco. Sabe
dizer-me se estou nesse país?
- Não sei que país é esse. Sabes,
Salvador, existem muitos lugares fantásticos, só à espera de serem encontrados.
Mas nem sempre é fácil descobrir a forma de lá chegar, porque as portas apenas
se abrem para alguns. Tu encontraste a entrada para um desses mundos, neste
caso o mundo esquecido. Acredito que não foi por acaso. Acho que és um menino
muito especial e só por essa razão é que estás aqui.
- Pois, o problema é que não sei
voltar. O senhor sabe fazer magia?
- Modéstia aparte, sei alguma
coisa sobre o assunto.
- Então podia fazer-me regressar a
casa?
- Infelizmente, Salvador, a magia no teu caso não iria resultar. Vais
ter de percorrer um longo caminho e de ultrapassar alguns obstáculos para poderes
regressar. Mas posso ajudar-te nessa tarefa, dando-te pistas que deverás
seguir. Caso contrário, não conseguirás. A entrada para o teu mundo fica para
lá do deserto do esquecimento, depois do lago dos nenúfares, no interior da
gruta das mil vozes.
- A gruta das mil vozes? De quem são essas vozes?
- São vozes esquecidas, perdidas no tempo, ninguém sabe a quem
pertencem. Mas elas irão guiar-te e deverás escutá-las com muita atenção. Podes
dormir aqui esta noite e amanhã bem cedo deves partir, porque o caminho é
longo.
Nessa altura, o mágico esticou o braço (que parecia mesmo a asa de um
pássaro) e pegou numa caixa que estava pousada sobre a mesa. Abriu-a com muito
cuidado e tirou lá de dentro uma pedra branca, redonda e pequena como um ovo de
codorniz, que ofereceu a Salvador. Disse-lhe:
- Esta é uma pedra mágica, Salvador. Sempre que te sintas perdido e sem
saberes o que fazer, encosta-a junto do ouvido. Então, ouvirás a minha voz e
saberás como continuar o caminho. Não podes perdê-la, de modo nenhum, ou não conseguirás
voltar a casa. Agora, deves descansar.
A seguir, o velho mágico passou a mão sobre os olhos de Salvador, que
ficou a dormir profundamente. Embora ele estivesse adormecido, o mágico
disse-lhe ainda muitas outras coisas, para que as recordasse no momento
certo.