quinta-feira, 10 de março de 2016

O pássaro azul (4 - final)






Capítulo 4 - O pássaro azul


À sua volta, o mundo parecia igual, apesar de Maria agora o olhar através das lentes azuis. A coruja sábia tinha-lhe dito que bastava seguir a música e os poemas que os pássaros brancos diziam. Era como quando ouvia o vento: bastava que estivesse atenta. Ela ouvia o som de muitas palavras, misturado com o som de notas musicais, mas ainda estava longe para poder entender o que quereriam dizer.
Tinha chegado à orla do bosque e quase não existiam as árvores com folhas de muitas cores (que pareciam ramos de flores). Havia agora um imenso campo verde, cercado por árvores de flores brancas. As flores dançavam, fazendo oscilar os ramos, ao mesmo tempo que se ouvia uma música tão suave que se misturava com a brisa.
Foi então que viu a árvore. No centro do campo verde, erguia-se a árvore mais bonita que Maria já tinha visto: não tinha folhas e nos ramos despidos estavam pousados pássaros brancos, que pareciam pequenas nuvens. Então, num dos ramos, Maria viu o pássaro azul, tão azul que parecia mesmo ter sido recortado do céu. Sobre as suas penas azuis o sol fazia brilhar pequenas gotas, que podiam ser de chuva, ou de orvalho, mas Maria sabia que eram lágrimas. Lágrimas mágicas.
Aproximou-se, ficando muito perto da árvore. Os pássaros brancos cantavam, e também diziam palavras, que Maria agora entendia. Só podiam ser poemas. A tartaruga dissera-lhe que teria de tocar numa das lágrimas do pássaro azul, para poder escutar o poema que curaria a tristeza da avó. Maria avançou para junto da árvore e sentou-se junto ao tronco, por baixo do ramo onde estava o pássaro azul. Olhou para cima e, de repente, uma gota azul caiu e tocou na palma da sua mão. Nesse momento, escutou as palavras de um poema, que guardou dentro da sua memória.
Dentro das lágrimas existe o mar.
E dentro do mar existem as palavras
Que as ondas dizem e às vezes escrevem.
Dentro das lágrimas existem poemas.
Então Maria correu, correu sem parar uma única vez. Atravessou o bosque, passou junto ao lago e sentou-se no centro da clareira das árvores com folhas de muitas cores. Fechou os olhos e pensou no campo de papoilas, ouviu a voz da brisa quente de Verão. E voou.
Quando abriu os olhos, viu que se encontrava sentada junto à casa da avó. Entrou rapidamente. A avó estava sentada no sítio do costume, e olhava o céu através da janela, com o gato branco deitado no seu colo. Então, Maria aproximou-se da avó e disse-lhe, ao ouvido, as palavras que existiam dentro da lágrima do pássaro azul. A avó olhou para Maria. Depois sorriu. O gato branco fechou os olhos e, como se não dormisse há muito tempo, entrou devagar para dentro dos sonhos.


quarta-feira, 9 de março de 2016

O pássaro azul (3)






Capítulo 3 - A coruja sábia


A árvore mais alta do bosque era também a mais larga que Maria já tinha visto. Quando se aproximou, reparou que havia uma porta desenhada no tronco, e que estava entreaberta. Empurrou-a com cuidado e espreitou para o interior do que parecia ser uma pequena sala. A primeira coisa que Maria viu foram as estantes que se alinhavam ao longo das paredes, onde estavam arrumados muitos óculos. Depois, viu a coruja sábia. Estava empoleirada numa das prateleiras da estante central e parecia pensativa enquanto a observava.
Antes de Maria dizer uma só palavra que fosse, a coruja sábia falou: disse-lhe que todos os óculos guardavam um poema. Acrescentou que ela deveria escolher aqueles cujas palavras lhe lembrassem a pessoa de quem mais gostasse. Aparentemente, a coruja sábia sabia a razão da sua ida ali (afinal, era sábia). Maria lembrou-se do sorriso triste da avó, das histórias que ela lhe contava. Depois, experimentou óculos de vários tamanhos e feitios: redondos, quadrados, com a forma de estrela ou de flor (havia mesmo uns que pareciam pequenas nuvens carregadas de chuva). Até que reparou nuns óculos muito pequenos, redondos, com as lentes azuis. Assim que os colocou, esperou ouvir o poema. Mas não havia palavras. Ouviu então o sopro da brisa de uma tarde de Verão, e dentro da brisa existiam as tardes inteiras no campo de papoilas quase sem fim, e havia o sorriso da avó misturado com a luz do sol. Maria perguntou:
“Os poemas são feitos de palavras?”
“Às vezes, os poemas são memórias. Depois, podem ser palavras.”
“Como os segredos que diz o vento?”
“Talvez. Esses segredos que o vento diz, como são?”
“O vento canta, e dentro da música existem as palavras, que guardam histórias. São palavras que voam, como se tivessem asas e fossem pássaros. Eu escuto-as, e é como se voasse também. Achas que poderão ser poemas?”
“São, sem dúvida, poemas.”

Nesse momento, Maria teve a certeza de que aqueles eram os óculos certos para si. Agradeceu à coruja sábia e caminhou em direção à orla do bosque, onde vivia o pássaro azul. Na sua memória, falavam baixinho os segredos do vento.



domingo, 6 de março de 2016

O pássaro azul (2)





Capítulo 2 - A tartaruga do lago


No instante em que abriu os olhos, Maria não reconheceu o sítio onde se encontrava. Estava sentada no centro de uma clareira, cercada por árvores nada parecidas às que conhecia: na mesma árvore havia folhas de várias cores, fazendo com que parecessem um enorme ramo de flores. Às vezes, as folhas agitavam-se, muito devagar, como se suspirassem. Podia ser por causa das palavras que o vento lhes dizia. Maria fechou os olhos, tentou escutá-lo também, mas era como se o vento estivesse adormecido. Talvez as árvores apenas recordassem essas palavras, e os segredos que elas guardavam.
Foi então que uma música, como aquela que os pássaros dizem, se fez ouvir dentro do silêncio. De repente, um bando de pássaros brancos atravessou o céu e pousou nos ramos das árvores. Pareceu a Maria que dentro da música havia palavras, como aquelas que trazia o vento. Aproximou-se de uma das árvores e foi então que avistou um pequeno lago, tão azul que parecia um bocadinho de mar. Caminhou até junto da margem e parou mesmo no sítio onde se encontrava uma tartaruga, que parecia olhá-la com atenção, através de uns óculos enormes. Maria pensou que ela devia ser muito velha, e nesse caso com certeza precisava de óculos (lembrou-se que a avó também usava óculos, para ler as letras mais pequeninas). Perguntou:
“Por que usas óculos?”
“Para ver o que é invisível.”
“Eu ouço as palavras que o vento diz, vejo as histórias que elas dizem.”
“Para ouvir o vento e ver as histórias, basta estar atento. Mas dentro do bosque, existe um pássaro azul, que apenas pode ser visto por quem usa os óculos que ensinam a ver.”
“Onde está o pássaro azul?”
“Vive na orla do bosque, onde as árvores cantam e os pássaros brancos dizem poemas. É um pássaro mágico, as suas lágrimas curam a tristeza.”
“A minha avó está triste. Achas que o pássaro azul pode curá-la?”
“Pode. Basta que toques numa das suas lágrimas e então ouvirás as palavras, que são um poema. Essas palavras irão curar a tristeza da tua avó. Mas tens de encontrá-lo, e para isso deves usar uns óculos como estes. Caso contrário, apenas verás pássaros brancos.”
“Por acaso não tens uns que me possas emprestar?”
“Apenas a coruja sábia te pode ajudar. Ela é a guardadora dos óculos. Vive do outro lado do lago, na árvore mais alta do bosque. Segue sempre junto à margem e depressa a encontrarás.”
A seguir, a tartaruga ficou em silêncio, como se tivesse adormecido. Em bicos de pés, Maria afastou-se e começou a seguir a margem do lago que parecia um pequeno mar.





sábado, 5 de março de 2016

O pássaro azul (1)



Capítulo 1 - As palavras do vento


Maria gostava de escutar o vento. Dentro do vento, existiam palavras. E dentro das palavras, escondiam-se segredos. Acreditava que se fechasse os olhos e ficasse sentada, muito quieta, entendia essas palavras.
A avó de Maria também escutava a voz do vento. Vivia, com o gato branco, numa casa pequenina, de forma quase, quase quadrada, no meio de um campo de papoilas, quase, quase sem fim. Nas tardes de Verão, ficavam as duas sentadas à sombra de uma árvore, de olhos fechados, a ouvir os segredos que o vento lhes contava. Depois, a avó falava a Maria de terras distantes, onde o vento também existia, e na grande viagem que ele fazia até chegar junto delas. Era por isso que o vento sabia tantas histórias, dizia a avó. Maria achava que era no Verão que melhor se ouviam as palavras que o vento dizia. No Inverno, às vezes a sua voz era tão assustadora, e as palavras soavam tão fortes, que ela se encolhia dentro de casa e simplesmente se recusava a escutá-lo.
Depois, pouco a pouco, a avó foi-se tornando uma pessoa triste. Maria não sabia porquê. Ficava sentada junto à janela, em silêncio, a olhar o céu. O gato observava a avó e miava baixinho, como se também ele estivesse triste. Era branco como a neve, e quando estava deitado no colo da avó, parecia que tinham caído flocos de neve junto da tristeza dela, embora lá fora fosse Verão e o sol brilhasse sobre o campo de papoilas.
O que Maria mais queria era que a tristeza da avó terminasse. Lembrava-se do seu sorriso, das histórias que lhe contava (às vezes, trazidas pelo vento), das flores que apanhavam no campo quando chegava a Primavera.

Então, naquela tarde de Verão, uma brisa quente começou a falar baixinho. Pareceu a Maria que murmurava o seu nome. Saiu, sentou-se junto à porta de casa e fechou os olhos (para melhor escutar as palavras). Depois, de repente, sentiu que voava.